Uma mensagem perdida num muro


Certo dia, dirigindo, tive que mudar o trajeto e deparei-me com um muro pichado com a seguinte frase: “Ignorado por anjos, desabafei com demônios. Separei briga dos dois”. Embora esteticamente não fosse agradável ao olhar aquele picho, fiquei a matutar sobe aquela frase em minha cabeça. Não resisti: num outro dia, voltei ao lugar e a fotografei. Não vi apenas uma frase pichada, mas sim uma certa sabedoria ali, estampada por tinta preta e evidenciada em letras garrafais. Há sabedoria em muitos muros pichados, basta saber perceber as mensagens escondidas.

E aquela mensagem, que me fez refletir, representa o espírito desta época. Sintetiza um dos grandes problemas que assolam a humanidade: a ausência de diálogo. Não sei até qual ponto anjos e diabos dialogam ou não. Confesso que pouco me interessa esse debate. Mas a frase me fez pensar: até que ponto os desafetos ocorrem por conta da ausência de um diálogo sincero? Por que as pessoas têm preferido embates a ter conversas francas, em que é possível chegar a um acordo, ou mesmo evitar uma briga que só desgasta ambos lados?

Vivemos tempos em que se tem a impressão que todos querem falar e não desejam nada ouvir. Vivem com a razão, sem sequer ouvir o outro lado, entender a história por traz dos fatos, praticar aquilo que se chama empatia: se colocar no lugar do outro e entender que todos nós temos nossas limitações, pois somos humanos. Acreditamos que o nosso problema é o maior do universo – sem sequer olhar para o lado e ver que, enquanto muitas vezes temos um teto para dormir, o outro sequer tem o que comer.

Num mundo de embates, cada vez mais ferrenhos, aquele que sabe ouvir e entender o outro, se colocar em seu lugar e compreender as limitações, consegue uma grande proeza: se distanciar de um maniqueísmo que só prejudica e, ainda por cima, fere almas e corações. Por isso, precisamos de mais empatia. Precisamos de diálogos. Precisamos entender que ter razão, muitas vezes, não significa estar bem. Afinal, por que ter embates se podemos resolver tudo num simples diálogo? Tempos estranhos esses em que vivemos...

Juliano Schiavo, jornalista, escritor e biólogo



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