Trecho de um texto há algum tempo escrito


Por Juliano Schiavo

De repente, Outono. De todas as estações do ano, ela veio sorrateira, mesmo estando fora de época. Com seu tom intumescido, sem vigor, apático, foi dragando o verão que se fazia em minha vida, levando consigo o verde, a esperança, o futuro que, mal eu sabia que poderia ter. A vida que seria, não será. Seis meses apenas. Não importa o local, o dia, o ano. Estamos todos entregues a um possível Outono, esta época do ano em que a esperança do verde vivo vai se apagando para acolher o frio do inverno. 


Comigo, não foi diferente. Entregue a esta estação que prenuncia o beijo frio, é como se minha vida se tornasse um punhado de areia, que escorrega por entre meus dedos. Inadvertidamente eu tento segurar, mas me é impossível, humanamente impossível impedir esse esvaziamento de mim mesmo. Sou tão assim, imperfeito, que me sinto frágil diante do peso das palavras, me porto feito âncora de navio fugidio no horizonte do mar: afundo-me, tentando agarrar ao solo, para impedir esse vagar sem direção. Qual o meu medo? Qual a minha insegurança? Qual meu maior questionamento do por que ser assim, medroso? Não estou preparado. Não desta forma, com este baque, com essas palavras gélidas. 


O médico, técnico do corpo, sentencia-me: “Seis meses”. E minha mente, como num turbilhão, se mistura numa névoa de incertezas. A raiva, primeiro sentimento, desce macia e eu a engulo. É como se fosse parte de mim e eu a aceito. Ela sim. Não a certeza: Câncer. Em seguida, o medo, meu segundo sentimento, percorre-me feito um arrepio. Impossível não sentir os pelos se eriçarem, a sensação de nó no estômago, a impressão de que o ar está rarefeito, apertando-me feito um monstro que segura meu pescoço. Aceito o medo. Não a sentença: Morte.  Por fim, surge o terceiro sentimento, o pior de todos: apatia. Prenúncio de morte em vida, ela me paralisa. Sinto-me uma crisálida vazia, oca, já entregue ao fenecer, por ter cumprido o papel de aninhar, dentro de mim, um ser que já se libertou. Mas eu sou apenas crisálida vazia, sem esperança. Aceito a apatia. Não a certeza do tempo que me resta.


Nunca se sabe a sensação de perder o chão até o momento em que ele realmente cede. De um momento para o outro, eis que tudo gira. A cabeça, antes tão racional, parece se perder em ladainhas, em momentos fugazes de desespero, em constantes e implicantes momentos de desencontro. Você se perde dentro de si mesmo, no vazio que serpenteia garganta adentro, exaurindo-se momentaneamente numa fumaça de dúvidas. O médico tem razão? É o que eu me perguntava, a todo o momento. Deixei de ser eu mesmo, para me tornar uma grande dúvida. Indecisão de mim mesmo. Impaciente, ansioso, medrosamente infantil, recolhi-me em pensamentos, em tentativas desesperadas de tentar entender o chão que cedia, se abria feito cadafalso. E meu pescoço, atado numa ínfima linha fina de tempo, apertava-se segundo a segundo. 


O Outono chegou assim, seco, inerte, frígido, levando consigo o Verão de minha vida. Todas as certezas que tinha transmutarem-se num vazio: da essência de ser, do corpo, de mim mesmo. O que me tornei com esta estação, foi apenas o que as folhas das árvores se tornam, emudecidas, sem questionar. Elas sabem que o tempo as leva. Calam-se verdes. Soluçam amarelos. Sem viço, sem a esperança de continuar atada aos galhos que a sustentam, entregam-se a sua insustentável leveza de ser. A vagarosa brisa as derruba, tal qual beijo enfadonho, ao chão. Caem descompromissadas, seguindo a lógica daquele Outono tão perturbador. Nem as folhas estão preparadas para cair. Lutam, tentando permanecer aderidas aos galhos. Mas vencidas, recebem a queda. Ouvir as palavras “seis meses” foi o que me derrubou. Palavras com sabor de Outono, de início da queda. Sou, como todos, uma pequena folha, porém perdendo o viço. E isso é o que me machuca, que me faz sentir-se atado, com uma sensação estranha de já ter perdido tudo, sem ao menos ter tentado lutar. É a raiva, o medo e a apatia do meu Outono sentimental.


Trecho extraído de um original de livro, que talvez jamais seja publicado.

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