Por Juliano Schiavo
Comigo, não foi diferente.
Entregue a esta estação que prenuncia o beijo frio, é como se minha vida se
tornasse um punhado de areia, que escorrega por entre meus dedos.
Inadvertidamente eu tento segurar, mas me é impossível, humanamente impossível
impedir esse esvaziamento de mim mesmo. Sou tão assim, imperfeito, que me sinto
frágil diante do peso das palavras, me porto feito âncora de navio fugidio no
horizonte do mar: afundo-me, tentando agarrar ao solo, para impedir esse vagar
sem direção. Qual o meu medo? Qual a minha insegurança? Qual meu maior questionamento
do por que ser assim, medroso? Não estou preparado. Não desta forma, com este
baque, com essas palavras gélidas.
O médico, técnico do corpo, sentencia-me:
“Seis meses”. E minha mente, como num turbilhão, se mistura numa névoa de
incertezas. A raiva, primeiro sentimento, desce macia e eu a engulo. É como se
fosse parte de mim e eu a aceito. Ela sim. Não a certeza: Câncer. Em seguida, o
medo, meu segundo sentimento, percorre-me feito um arrepio. Impossível não sentir
os pelos se eriçarem, a sensação de nó no estômago, a impressão de que o ar
está rarefeito, apertando-me feito um monstro que segura meu pescoço. Aceito o
medo. Não a sentença: Morte. Por fim,
surge o terceiro sentimento, o pior de todos: apatia. Prenúncio de morte em
vida, ela me paralisa. Sinto-me uma crisálida vazia, oca, já entregue ao
fenecer, por ter cumprido o papel de aninhar, dentro de mim, um ser que já se
libertou. Mas eu sou apenas crisálida vazia, sem esperança. Aceito a apatia.
Não a certeza do tempo que me resta.
Nunca
se sabe a sensação de perder o chão até o momento em que ele realmente cede. De
um momento para o outro, eis que tudo gira. A cabeça, antes tão racional,
parece se perder em ladainhas, em momentos fugazes de desespero, em constantes
e implicantes momentos de desencontro. Você se perde dentro de si mesmo, no
vazio que serpenteia garganta adentro, exaurindo-se momentaneamente numa fumaça
de dúvidas. O médico tem razão? É o que eu me perguntava, a todo o momento.
Deixei de ser eu mesmo, para me tornar uma grande dúvida. Indecisão de mim
mesmo. Impaciente, ansioso, medrosamente infantil, recolhi-me em pensamentos,
em tentativas desesperadas de tentar entender o chão que cedia, se abria feito
cadafalso. E meu pescoço, atado numa ínfima linha fina de tempo, apertava-se
segundo a segundo.
O Outono chegou assim, seco, inerte, frígido, levando
consigo o Verão de minha vida. Todas as certezas que tinha transmutarem-se num
vazio: da essência de ser, do corpo, de mim mesmo. O que me tornei com esta
estação, foi apenas o que as folhas das árvores se tornam, emudecidas, sem
questionar. Elas sabem que o tempo as leva. Calam-se verdes. Soluçam amarelos.
Sem viço, sem a esperança de continuar atada aos galhos que a sustentam,
entregam-se a sua insustentável leveza de ser. A vagarosa brisa as derruba, tal
qual beijo enfadonho, ao chão. Caem descompromissadas, seguindo a lógica
daquele Outono tão perturbador. Nem as folhas estão preparadas para cair.
Lutam, tentando permanecer aderidas aos galhos. Mas vencidas, recebem a queda.
Ouvir as palavras “seis meses” foi o que me derrubou. Palavras com sabor de
Outono, de início da queda. Sou, como todos, uma pequena folha, porém perdendo
o viço. E isso é o que me machuca, que me faz sentir-se atado, com uma sensação
estranha de já ter perdido tudo, sem ao menos ter tentado lutar. É a raiva, o
medo e a apatia do meu Outono sentimental.
Trecho extraído de um original de livro, que talvez jamais seja publicado.
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