O balanço vazio


Naquele fim de tarde, quando o sol morria lentamente no horizonte, pintando as nuvens de um tom purpúreo e as pessoas que caminhavam ou corriam pelo Jardim Botânico, desapressadas ou desapercebidas do que acontecia ao seu lado, André sentou-se com Fernanda no balanço do parquinho de areia. Meia hora antes, caminhara com ela quase que mudo pela trilha de asfalto, mas decidira que devia colocar para fora o que lhe consumia. Não era algo que estava acostumado a fazer. Mas eu seu interior, algo lhe incomodava.

Fernanda, que até então tinha achado aquele silêncio perturbador, pôs-se a balançar lentamente no brinquedo infantil. Com um sorriso terno, os cabelos castanhos a tocarem-lhe as macias bochechas e as mãos a segurarem na corrente fria do balanço, falou baixinho:

— Eu tenho medo de tanta coisa.

André, que até então continuava emudecido, suspirou, encarou-a com seus lábios forçando um riso frio e perguntou, mesmo sem querer saber:

— Do que, por exemplo?

— Do seu jeito triste de sorrir – levou as mãos ao rosto de André, tocando-lhe delicadamente as maçãs que pendiam num sorriso forçado. Olhava-o com os olhos serenos, envolveu-o num abraço e beijou-lhe os lábios. Sentia o corpo estremecer ao tocar a pele dele, úmida e quente, só que sem vida. André estava vazio, complemente distante, tal qual seu olhar.

Fernanda mordeu seus próprios lábios, num nervosismo quase trêmulo.

— Quer me dizer algo?

— Na verdade, não sei.

— Me diga. Quero que me diga o que você sente.

André suspirou vazio.

— É como se eu não fosse realmente eu, entende?

— Não, não entendo.

— É que... É estranho explicar, mas é como se eu fosse o que os outros gostariam que eu fosse. Mas eu não sou apenas isso. Eu não sou esse cara legal, boa pinta, sempre sorrindo, não. Não sou apenas isso. Eu tenho algo que me é perverso, que me faz sentir desumano, que me faz sentir errado.

— Não consigo entender, André... – passou as mãos no rosto dele, acarinhando-o ternamente, sentindo os fios de uma barba rala roçarem em seus delicados dedos. Não sei até onde quer chegar. Diga-me... O que realmente te aflige tanto?

André abaixou a cabeça, desviando o rosto das mãos que lhe acarinhavam e colocando a face frígida entre os dedos, trêmulos. Encarava o chão repleto de folhas secas, o olhar fixo, sem nada ver. O coração batia forte.

— Eu sinto um vazio que me consome. É como se... É como se eu realmente não me conhecesse. Eu não sinto prazer em viver, nem um pouco. Eu certa vez li uma frase que dizia que nenhum homem é uma ilha. Eu me sinto um arquipélago. É estranho, mas me sinto assim, todo desfragmentado. É como se eu fosse várias ilhas que eu não conhecesse.

— Eu... eu não sei o que lhe dizer.

— Sabe Fernanda, acho que... Esse vazio que sinto é o grande problema. É algo que me consome, é um medo estranho, afobado, como se eu estivesse perdido no meio de todo mundo, mesmo que conhecesse todo mundo. Posso estar no meio de uma multidão, mas me sinto só, por que não sei realmente quem sou e do que sou capaz. É estranho. É.. tipo... Como se eu não pudesse ser feliz por completo...

— Mas você pode ser feliz por completo – disse Fernanda levando-lhe as mãos em volta das costas, abraçando-lhe.

— E por quê? – murmurou André, com os olhos marejados, olhando fixo as folhas que atapetavam o chão num tom marrom, entrecortado por pedrinhas de uma coloração cinza-azulada.

— Por que eu te amo, André.

Por um momento, os segundos que se seguiram pareciam ter se eternizado. O silêncio, quebrado apenas pelo som do vento a brincar com as folhas das árvores, tomou forma num murmuro quase inaudível:

— Mas eu não me amo – levantou-se com o olhar marejado, um nó na garganta teimando-lhe em lhe sufocar num soluço de dor. Deixou Fernanda sozinha, a vê-lo desaparecer lentamente por entre o caminho envolto por árvores, cujo chão, de terra batida, deixava apenas escapar o som de passos abafados pelas folhas caídas. O balanço, ao lado de Fernanda, mais uma vez ficou vazio, balançando triste.

Comentários

  1. Nossa, parece até que fui eu quem escreveu isso. Mexeu com a pessoa aqui. Quase sempre me sinto assim, como o André, sem saber que estou fazendo no meio das pessoas, quem sou e não me amando o suficiente. Deixando os espaços vazios para gente mais interessante ocupar.

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  2. Cara, baita conto! É muito interessante o modo como você descreve os personagens e a maneira como explora o psicológico deles e as situações e os contextos que os cercam! Texto irrepreensível!

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