Nostalgia



Deitei-me, certa noite, no chão. E fiquei a observar as estrelas. Por sorte, não haviam nuvens para ofuscar o brilho azulado. Este brilho distante, vindo das profundezas desse espaço não explorado, frio, distante. Suspirei lentamente, sentindo o ar preenchendo meus pulmões. Por momentos, meus pensamento vagaram, sem rumo, a uma série de questionamentos conflitantes. Mas o que me tocou, de certa forma, foi pensar no quão rápido é o passar da vida.

É como se, em segundos, eu ainda tivesse meus oito anos e ainda brincasse de esconde-esconde com meus colegas da pequena rua onde cresci. Dar a volta ao quarteirão era o máximo, uma vez que desbravávamos um ambiente proibido: era perigoso, poderia haver figuras similares ao temível homem-do-saco, que sequestravam crianças para todo o sempre. Medos infantis, nunca infância onde brincar era sinônimo de estar na rua e não confinado em salas de jogos eletrônicos.

Abri os olhos e lá estava eu, deitado. Entregue a contemplar as estrelas. Minha cachorra, Gisele, com as pernas esguias e compridas – tal qual a modelo Bündchen – aproximou-se sorrateiramente. Levei as mãos até ela para passar-lhe a mão na cabeça. Correu serelelepe, tal qual cachorra levada que é.

Lembrei-me de outros cachorros, que permearam minha infância e adolescência. Pitanga, o vira-lata que corria atrás das corujas. Barão, o pintcher que me defendia e vivia a caçar passarinhos e insetos. Trícia, uma cachorra que não me suportava – tinha ciúmes de mim. Quita, uma bobalhona, sem expressão. Chanty, o adorador de chocolate, bravo e ao mesmo tempo carinhoso com minha mãe. Talanta, mãe de Chanty, adoradora de pedaços de coco e nacos congelados de carne moída. Roque, o coração de manteiga. Rúbia, a enfezada mais carinhosa que conheci. E, por fim, Zequinha, meu eterno cão-baleia, gordo, estufado, que me deixou muita saudade. Adorava passear de coleira e comer castanhas-do-Pará. Mas como tudo, ficaram nas lembranças, levados pelos incansáveis ponteiros do tempo.

Levantei-me do chão. Parei de olhar as estrelas. Entrei para dentro de casa. Naquela noite, demorei a dormir. Pensava em tantas coisas que tinha feito. Outras tantas que não fiz. Pensava no meu futuro, nas incertezas e certezas dessa caminhada, grande caminhada, que é a vida. Pensei nos amigos que não mais falava e nos que eu ainda via. Pensei no meu trabalho, meu estudo, minha vida pessoal. Suspirei.

E a reflexão sobre o tempo voltou em minha cabeça. Insistente, marteladora, tal qual um tic tac. Tudo se vai, esvai, se perde. Ficam na memória as sensações, as coisas boas e as ruins. Cada um faz sua história dentro de suas possibilidades. Ao menos isso o tempo não nos nega. Ao mesmo há a possibilidade de ser nostálgico.

Juliano Schiavo, jornalista, escritor e estudante de ciências biológicas
www.julianoschiavo.blogspot.com

Comentários

  1. Estou passando aqui pela primeira vez e, gostaria de lhe dar os parabéns pelos teus textos. Gostei muito deste que acabei de ler, pois, fez-me lembrar de minha infância.
    Parabéns e sucesso pra você!


    abraços


    (www.daianavlopes.blogspot.com)

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