A inércia que nos habita


O ano era 1964. A cidade, Nova York. Poderia ser 2016, em qualquer cidade. Uma moça, chamada Catherine Susan Genovese, mais conhecida como Kitty Genovese, estacionou o carro e seguiu em direção ao apartamento. Então, foi esfaqueada. Gritou. Pediu por socorro. Eram 3h da manhã e mais de 30 vizinhos vieram às janelas em resposta aos gritos de Kitty. Ficaram ali por cerca de meia hora, tempo em que o assassino completou o trabalho e matou a moça. Ninguém nada fez.

A morte de Kitty, conhecida como “efeito Genovese”, ou “difusão de responsabilidade”, diz que, quanto mais expectadores envolvidos, aumenta-se a chance de ninguém fazer nada. Ou seja: quando alguém está em perigo, quanto mais testemunhas, menor a probabilidade de alguém ajudar. A responsabilidade se dilui conforme mais pessoas “participam” como expectadores.

E isso é algo que assusta. Sempre esperamos que os outros tomem partido para melhorar uma situação. E ficamos reféns da inércia que paira. Na ânsia que alguém resolva os problemas surgidos, ficamos estáticos. O problema é que o outro também pode agir da mesma forma. É um efeito cascata, em que todos querem uma resolução, mas são pouquíssimos que encaram o dilema.

Cada vez mais entregues ao “esperar que alguém faça algo por nós”, ficamos enraizados no lugar. Esperamos por salvadores, por pessoas que façam acontecer. E nos sufocamos em nossas expectativas. Cada vez mais ansiosos e esperançosos, aguardamos resoluções que poderiam vir de nós mesmos, mas que, erroneamente (comodamente?), depositamos nas costas de alguém – que, muitas vezes, nem sequer imaginamos quem seja.

A reflexão que fica: quantas Kitty Genovese vamos esperar morrer para que, então, tomemos alguma atitude? Quantos problemas que nos atingem diretamente vamos deixar para que outros resolvam? Quando vamos entender que, muitas das questões que não são resolvidas, são decorrentes da inércia que nos habita? É algo a se pensar.


Juliano Schiavo é jornalista, biólogo e escritor
Americana – SP


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